Moradora de Brumadinho, a vendedora Altina Aparecida Pereira, 45 anos, escavou o lamaçal com as próprias mãos na esperança de encontrar o marido, Luís Cordeiro Pereira, 52, funcionário da Vale
Meu marido, Luís Cordeiro Pereira, tem 52 anos e trabalhava há 18 anos na monitorização de todas as barragens da Vale. Somos casados há 22 anos, temos três filhos: uma de 18 , um de 13 e um caçula de dois, que chama pelo pai a toda hora, nem sei mais o que dizer a ele. Temos uma netinha também, que acabou de nascer. É o xodó dele.
Luís foi o meu primeiro namorado, o primeiro tudo na minha vida! Na hora desse desastre, provavelmente, ele estava em seu escritório, que ficava próximo ao centro médico da empresa. Na sexta-feira, meu amor saiu de casa às 6h30 da manhã, como fazia todos os dias. Passei a roupa dele, tomou café na padaria aqui do lado de casa e saiu pra trabalhar. Ele me chamava carinhosamente de ‘Téia’. Nunca vou me esquecer o seu olhar de carinho e amor por mim ao sair nesta sexta para trabalhar. A última vez que ele viu seu WhattsApp era 12h18 e depois liguei mais de mil vezes e só dava desligado. Foi exatamente nessa hora que aconteceu a tragédia.
Ele estava tão feliz esta semana! No domingo, ontem, iria participar de uma corrida de mountain bike, esporte que praticava. Ele já tem várias medalhas, todas guardadas e exibidas com muito orgulho. Tínhamos um aniversário para irmos juntos neste sábado (26) e ele nem queria me acompanhar. Pretendia dormir cedo e se preparar para a corrida de bicicleta. É muito disciplinado e dedicado em tudo que faz. Tanto no trabalho, como no esporte. Sem falar que é um excelente marido, pai e avó. Acabamos de nos tornar avós e ele nem pode curtir a nossa netinha ainda.
Desesperada, no sábado, parti para o local da tragédia com meu cunhado e, mesmo sem autorização dos bombeiros que não nos queria deixar passar, fui procurar e escavar aquela lama toda com minhas próprias mãos. Só quero encontrar o meu marido! O cenário lá é desesperador! Parece que caiu uma bomba, destruiu tudo. Estou horrorizada com tudo que vi ali, parece cenário de guerra e destruição total!
Pela televisão não dá para se ter a ideia e a dimensão de como está. O barro afunda os nossos pés e quanto mais se cava, parece que ele desliza ainda mais. Teve uma parte que a gente pisava que já estava totalmente duro. É um barro pesado, não passa nem ar e, por isso, acho que vai ser difícil salvar alguém ali.
Ainda assim, tenho esperança de encontrar meu marido vivo. E, pelo que vi lá, penso que tem muito mais pessoas soterradas e não só as que noticiam na TV. Na hora que eu estava lá foi que encontraram o ônibus dos funcionários, já sem sobreviventes.
O Luís não tinha medo de trabalhar na Vale. Ele amava o seu trabalho. E me falava que haviam treinamentos constantes para os funcionários. Há menos de dois meses mesmo, todos foram treinados novamente.
É um absurdo essa barragem não ter soado o alarme. Não entendo isso. Para mim, nem alarme tinha ali ou realmente não estava funcionando. Neste sábado, o alarme funcionou, avisando sobre uma outra barragem que podia se romper a qualquer momento. Mas essa barragem é só de água e não de rejeito. Às 5h30 da manhã esse alarme soou altíssimo. Já o da outra barragem, não.
A Vale não está nos ajudando em nada, não nos deu nenhuma assistência. Nem um telefonema para as famílias para prestar solidariedade... Nada! Total descaso e abandono. Parece que eles têm medo de falar qualquer coisa, de se comprometer, não sei. A sensação que tenho é essa. Somente recebemos muitas ligações dos amigos do meu marido, que me ligam a todo momento e aparecem aqui em casa atrás de notícias.
Moramos na parte alta da cidade de Brumadinho e, graças a Deus, não tivemos que sair das nossas casas como muitas pessoas da cidade que vivem perto do rio. Pelo menos, acredito que ainda possamos estar em segurança dentro da nossa casa. Por onde olho aqui lembro do meu marido. Está difícil! Tudo dói! Falar dói. Até respirar dói! Estou há três dias sem dormir direito e sem me alimentar. Não tenho vontade de mais nada. Meus filhos estão todos muito abalados, ainda em estado de choque. Eles nem foram comigo pra ajudar na procura, não tive coragem de levá-los. É muito traumatizante! Tem que ter sangue frio.
Ainda tenho muita esperança de encontrá-lo vivo. Tenho muita fé! Sinto dentro de mim que ele ainda está com vida. Pode estar perdido, desorientado ou desacordado na mata. Nada me tira isso da cabeça. Enquanto não vir o corpo dele no IML, acredito que ele possa estar com vida, sim. Só vou deixar de acreditar quando eu me deparar com o corpo. Eu quero ele de volte da forma que o encontrarem, seja vivo ou morto, para que possamos fazer um enterro digno, como ele merece. Só não quero que ele fique lá abandonado, soterrado.”
Curte o conteúdo de Marie Claire? Ele também está no Globo Mais, o app que é muito mais do que uma banca. Nele você tem acesso a um conteúdo exclusivo em tempo real e às edições das melhores publicações do Brasil. Cadastre-se agora e experimente 30 dias grátis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Muito obrigado pelo comentário, um grande abraço da equipe Braga Show!!!