A ex-chefe do tráfico da Rocinha, Raquel de Oliveira, de 56 anos, que ganhou notoriedade após lançar o livro “A número um”, contando sua trajetória de vida desde a infância, quando aos 9 anos foi vendida para um bicheiro por sua avó, uso de drogas e o relacionamento com o traficante morto Ednaldo de Souza, o Naldo, diz ter assinado contrato com uma produtora de filmes que pretende levar sua história para as telas de cinema. Segundo Raquel, o processo de escolha de elenco nem começou, mas ela já sonha com a atriz Bruna Marquezine fazendo o seu papel.
— Para me interpretar tem que ser uma atriz nova, jovem e que passe força. Porque a história mostra grande parte da minha juventude, quando eu era conhecida na favela como bonitona.
Além do filme, Raquel negocia com uma editora de livros o lançamento de uma segunda obra chamada “Vozes da noite”, que contará a trajetória de vida dela depois que abandonou a chefia do tráfico de drogas na Rocinha e sua luta para vencer o vício da cocaína e sua compulsão por jogos.
— Quero mostrar nesse livro que o crime não compensa. Todas as casas e carros que ganhei no mundo do crime perdi para o meu vício. A gente não pode contar esse tipo de história querendo mostrar que tudo é legal e bacana. Pelo contrário. Eu conto para mostrar que as pessoas não devem seguir por esse caminho.
Infância de drogas e abusos
Bem antes da Bibi Perigosa — a escritora Fabiana Escobar que inspirou a história vivida por Juliana Paes na novela "A força do querer", da TV Globo — reinar como a baronesa do tráfico de drogas na Rocinha Raquel já havia deixado sua marca na chefia do crime organizado que domina a região. Pedagoga e escritora, a filha de um pedreiro e de uma empregada doméstica foi criada, desde que nasceu, dentro da comunidade. Ela conta que a sua relação com o tráfico de drogas começou, logos nos primeiros anos de vida. Com 9 anos, já fumava maconha e cheirava cola de sapateiro. Antes disso, aos 6, foi vítima de uma tentativa de estupro do próprio pai.
— Amava muito ele, mas o meu mundo caiu com relação a tudo isso. Ele era pedófilo e chegou a tentar abusar de mim. Depois descobri que ele fazia isso com outras crianças. A partir dessa tentativa, acho que a minha vida virou de cabeça para baixo. Minha mãe passou a me levar para o trabalho e me deixava num quartinho o dia inteiro — relembra.
E foi pela janela daquele cubículo que Raquel mergulhou no lado mais obscuro da sua infância:
— Um dia, resolvi pular a janela e passei a perambular pelas ruas e telhados da comunidade. Era uma criança de 6 anos. Passei a usar drogas com aqueles garotos. Foram anos muito ruins. Aos 9 anos, minha avó decidiu me levar para a banca do jogo do bicho e me negociou com um bicheiro. Era uma criança com muita raiva de ter que ser usada sexualmente. Eles faziam isso com muitas crianças. A maioria, depois de um tempo ia para um bordel na comunidade.
A entrada para o crime, veio aos 11 anos, quando o bicheiro que a criava, deu para ela a sua primeira arma.
— Passei a trabalhar diretamente para o jogo do bicho, mas ao mesmo tempo estudei. Cresci, casei e tive filhos. Acho que só não virei garota de programa, porque fui muito forte mesmo. Uma vez, um cara tentou abusar de mim e eu enfiei uma faca no pé dele. Apanhei, mas não fui abusada.
A vida em um livro
A troca do jogo do bicho pelo tráfico de drogas, aconteceu na vida de Raquel de Oliveira, aos 24 anos, quando conheceu o traficante Naldo. Na época, segundo ela, ele não tinha cargo de chefia. Mas com o passar dos anos foi ganhando poder. E ela, que já era íntima do mundo do crime, se adaptou fácil.
Com a morte do traficante Sérgio Bolado, no fim dos anos 1980, Naldo assumiu o controle do tráfico de drogas e Raquel passava a reinar como a primeira dama da Rocinha:
— Nunca fui dondoquinha. Era da luta armada mesmo. Um dia, a favela foi tomada pela polícia e o Naldo fugiu para São Gonçalo com os outros homens do bando dele. Quando fui visitá-lo, a polícia achou o esconderijo e conseguiu matar todos. Sobrevivi e quando voltei para a Rocinha, já tinha armas e drogas enterradas e tive que assumir o comando.
Raquel relembra que passou a usar muita cocaína e que chegou a resistir a duas guerras do tráfico, mas na terceira, já estava completamente alucinada e, após perder um grande amigo, resolveu abandonar a chefia.
— Cheguei a traficar no asfalto, por um tempo, mas passei a enveredar por outras áreas. E depois de um tempo, consegui ajuda com um grupo e até hoje me trato, porque sou dependente química.
A entrada na vida literária, veio depois de se formar em pedagogia, em 2014. Raquel, que já tinha poesias premiadas na Feira Literária das Periferias (Flupp), foi convencida por um amigo de escrever a sua história.
— E assim nasceu o "A número um". Esse é um romance baseado em fatos reais. Agora, já estou me preparando para o segundo livro e já assinei com uma produtora para rodar um longa-metragem.
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