Justiça determinou o repasse de mais de R$ 218 mil à entidade pelo SUS.
Prefeitura informou que já providenciou o cumprimento da decisão.
O juiz da 1ª Vara do Fórum da Comarca de Adamantina, Fábio Alexandre Marinelli Sola, determinou que a Prefeitura e o Estado se abstenham de exigir a apresentação das certidões negativas de débitos fiscais (de regularidade junto à Receita Federal) da Clínica de Repouso Nosso Lar, prorrogando o convênio nº 001/2014, bem como providenciando, em até 24 horas, o repasse de R$ 218.315,54 à entidade, tal como no mês anterior ou outro valor maior que seria aplicado neste ano. Com a liminar concedida nesta quinta-feira (9), o magistrado deferiu o pedido de antecipação de tutela feito pelo Ministério Público Estadual (MPE) em uma ação civil pública.
Conforme a decisão, o juiz estabeleceu uma multa de R$ 1 milhão por mês, em princípio, para o caso de descumprimento da determinação.
Sola ainda mandou intimar a Prefeitura de Adamantina e o Estado para o cumprimento da decisão que antecipou a tutela e para contestar o caso no prazo de 30 dias úteis.
De acordo com o MPE, está comprometido o atendimento de 300 usuários diretos e, indiretamente, o de 90 mil pessoas que fazem parte da área de abrangência da clínica, que atua na prestação de serviços de saúde mental e cobre 11 municípios da Nova Alta Paulista.
A Promotoria de Justiça aponta que a clínica necessita dos repasses oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS), no valor mensal de R$. 218.315,54, “sem o qual não tem condições de funcionar”.
Segundo o MPE, o convênio firmado entre a Clínica Nosso Lar e a Prefeitura de Adamantina terminou em 31 de dezembro de 2016. No entanto, “devido à situação da instituição perante o Fisco, a Prefeitura não pode efetuar nova prorrogação e, por conseguinte, o repasse de verbas necessário ao seu funcionamento”.
'Preocupação da sociedade'
Na liminar, o juiz salienta que “não há dúvida” de que a Clínica de Repouso Nosso Lar “está em situação administrativa e econômica precária”. Inúmeras razões, segundo o magistrado, levaram “a instituição a se tornar deficitária por anos, o que gerou agora volume imenso de tributos não solvidos”.
“Este descompasso veio à tona de forma mais contundente, nos últimos dias, como é de conhecimento comum, quando foi aventada a hipótese do encerramento das atividades do
nosocômio, o que de plano levou a intensa preocupação da sociedade local. E a razão é óbvia”, pondera o juiz.
De acordo com Sola, trata-se de entidade sem similar em sua área de abrangência, que cuida de “questões de máxima sensibilidade, ou seja, atende os mais diversos enfermos mentais da região, tendo inclusive diversos ‘moradores’ que não possuem capacidade de sobrevivência sem os cuidados especializados”.
Ainda conforme a liminar, “diante deste quadro, como também é público e notório”, diversos segmentos da sociedade local formaram grupos que estão empenhados na reestruturação e no saneamento da entidade. O juiz cita como exemplos campanhas por grupos de serviço em redes sociais para a obtenção de alimentos e materiais de limpeza para manutenção; mobilização de vereadores em reuniões para estudar auxílio à instituição; reunião de entidades religiosas (católicas e espírita) para viabilizar nova administração à clínica; e estudo técnico de reforma/remodelagem da instituição por arquiteto para melhora do ambiente e, por consequência, do tratamento prestado com doação de empresas e pessoas do município.
“A tanto, como medida básica, foi realizada auditoria prévia que aponta, ainda que em sede preliminar, sua viabilidade econômica, desde que adotado plano de recuperação. Enfim, está a entidade em situação transitória em busca de um norte que lhe permita o cumprimento da missão a que constituída, de inegável importância, sem que continue a gerar débitos. Logo, a única conclusão razoável é que não se pode, agora quando a sociedade se empenha à correção do rumo da entidade essencial ao atendimento de pessoas pobres e enfermas, permitir pela falta de repasses o encerramento de suas atividades, o que em nada interessa até mesmo aos requeridos [Prefeitura e Estado]”, argumenta o juiz.
De acordo com Sola, “é certo que a essencialidade de qualquer entidade não pode servir de justificativa para o descumprimento das normas legais, indefinidamente”. Ele cita que a Constituição Federal prevê de forma expressa, no parágrafo 3º do artigo 195, que “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”.
“Todavia, obviamente, as normas devem ser interpretadas de acordo com a sua essência. Certamente não se pode admitir que qualquer entidade que mantenha dívida com o Estado venha a receber ‘benefícios’, ‘incentivos’ ou até mesmo que ‘contrate’ com o Poder Público para seu engrandecimento. Porém, no caso vertente, tem-se situação absolutamente diversa. Os valores recebidos devem ser empregados na função precípua, ou seja, no tratamento de enfermos. A entidade, como se vê nas diversas execuções fiscais em trâmite nesta Comarca, não possui bens que não aplicados na atividade principal. Não há registro de atendimentos ‘particulares’ ou recebimento de valores de planos de saúde. Atende em essência apenas usuários do SUS, ou seja, pobres”, explica Sola.
'Dívida milionária'
Na liminar, o juiz ressalta que a instituição só existe porque na região não há um estabelecimento estatal que exerça a mesma função.
“Desta forma, sendo a entidade beneficente e estando todo o seu patrimônio (físico e
monetário) afetado ao serviço essencial de saúde, como pagar dívida milionária? A resposta é simples: não há. Portanto, é de rigor deixar certos sofismas de lado, para que se alcance a verdade inexorável, não é possível dar interpretação que enquadre a restrição da norma constitucional ao caso vertente, até mesmo pelo franco prejuízo que se causaria ao próprio Estado. Explica-se. A instituição só existe porque nesta região não há nosocômio estatal
que exerça a mesma função. O convênio existe, com o repasse de verbas para o tratamento dos enfermos, porque é obviamente assim mais ‘barato’ ao Estado do que ele próprio prestar o serviço”, pondera.
Na decisão, Sola ainda lembra que, caso a entidade feche as portas, será necessário o
remanejamento de pacientes (que ficarão a cargo da administração pública) e haverá a solução de contratos de trabalho dos funcionários, “o que acarretaria imensos danos sociais e prejuízo à própria Previdência Social”.
“Assim, na ponderação de dois interesses legítimos, o do Ministério Público em defesa da entidade que presta serviços essenciais à população pobre e enferma e de outro o interesse do Município e do Estado que não podem deixar de cumprir a legislação em vigor que exige para a continuidade do convênio a regularidade de débitos, apenas uma solução se mostra adequada: a modulação temporal. Enfim, necessária a concessão de prazo para a regularização fiscal, sem prejuízo do atendimento aos enfermos”, aponta o magistrado.
No entendimento do juiz, até que reste comprovada após a reestruturação proposta que a entidade possui recursos ou bens materiais que não estão afetados diretamente à prestação do serviço essencial de atendimento à saúde, torna-se inviável a exigência da regularidade fiscal, sob pena de afronta indireta ao próprio texto constitucional.
“Todavia, não há por enquanto elementos a justificar a ‘autorização’ para a diminuição de atendimento, mantendo-se o mesmo repasse. A questão tem íntima relação com a capacidade de sobrevivência da entidade e não pode o Poder Judiciário, mormente de forma cautelar, revisar os critérios de repasse, por serviço prestado, vigente até então”, enfatiza Sola.
Isso porque a Promotoria pediu a autorização da Justiça para a diminuição da capacidade de internação dos atuais 144 para 120 leitos, sem a diminuição do valor do repasse.
Outro lado
Em nota ao G1, a Prefeitura de Adamantina informou nesta sexta-feira (10) que o Poder Executivo municipal e a Clínica de Repouso Nosso Lar possuíam convênio para o repasse de recursos, o qual venceu em dezembro de 2016 e a administração não pôde renová-lo em razão dos débitos fiscais da entidade. “Diante desse impasse, várias foram as articulações entre a Prefeitura e o Ministério Público Estadual para que fosse possível continuar o repasse financeiro de modo a não prejudicar a assistência aos pacientes e aos internos”, explicou a Prefeitura.
“Assim, a Prefeitura do Município de Adamantina foi intimada sobre a decisão liminar que determinou a abstenção da exigência da apresentação das certidões negativas de débitos fiscais para fins do convênio com a Clínica de Repouso Nosso Lar. Os débitos fiscais impediam a prorrogação do convênio e, consequentemente, também o repasse financeiro à entidade. Diante da liminar concedida, a Prefeitura providenciou o cumprimento do previsto na decisão judicial em todos seus termos”, enfatizou a nota ao G1.
A Prefeitura ainda informou ao G1 que, “com a liminar, será possível prorrogar o convênio e manter o repasse, culminando em paralelo com a reorganização do modelo de atenção psicossocial do município”.
O G1 também solicitou nesta sexta-feira (10) um posicionamento à Assessoria de Imprensa da Procuradoria Geral do Estado, mas até o momento desta publicação não obteve resposta.
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