Andi, de 30 anos, chegou com o marido a SP este mês, fugindo da guerra.
Casal diz desconhecer motivo do ataque, que ocorreu em janeiro.
Era um domingo, dia útil na Síria, e Andi, de 30 anos, preparava-se para seguir sua rotina habitual. Funcionária pública formada em administração, ela saiu para trabalhar às 8h30 do dia 12 de janeiro. Despediu-se do marido, que era representante de uma empresa farmacêutica e estava de malas prontas para uma viagem de trabalho. Apesar de cada vez mais próxima, a guerra civil que atinge o país há três anos ainda não havia chegado à pequena cidade onde o casal morava, na região de Al-Hasaka, no norte da Síria.
Quando Andi virou a esquina de sua rua, viu dois homens de motocicleta, com o rosto coberto e um galão nas mãos. Percebeu que um líquido foi jogado em seu corpo. Ela havia sido atacada com ácido, mas inicialmente não sentiu dor. Só viu que sua roupa começou a soltar fumaça.
Correu, então, para a mercearia em frente e começou a se lavar com água, até que foi levada para o posto médico mais próximo. Seus olhos ardiam muito, e só quando já estava no carro percebeu as queimaduras, especialmente entre os seios, nos braços e em uma das pernas. Como era inverno, o casaco grosso ajudou a protegê-la de um estrago ainda maior, mas a agressão deixou inúmeras cicatrizes pelo corpo.
Motivos
Traumatizados com o ataque, Andi e o marido fugiram da Síria e chegaram a São Paulo há cerca de 10 dias. Eles dizem que não entendem o que pode ter motivado a agressão.
O casal conta que, inicialmente, pensou que poderia se tratar de vingança de alguém que gostasse dela ou dele, já que eles haviam se casado há menos de um mês quando tudo aconteceu. "Eu perguntava para ele, ele perguntava para mim, mas não chegamos a nenhuma conclusão", afirma a síria.
Outra hipótese que o casal avalia é de que seja um criminoso comum, já que o índice de violência tem aumentado na cidade onde eles moravam. Muitos sírios afirmam que o governo do país mandou soltar presos perigosos para liberar espaço nas cadeias aos opositores e para semear o caos em algumas regiões. Andi e o marido acreditam, portanto, que pode se tratar de um caso como esse. "Pode ser pura maldade mesmo", dizem.
Questionada se poderia se tratar de um crime de ódio pelo fato de ela ser muçulmana e não usar véu – o que é opcional na Síria --, Andi diz prontamente que não acredita nessa possibilidade.
Grávida
A refugiada síria agora está grávida de 3 meses. Ela contou sua história ao G1 em uma sala da Mesquita de Guarulhos, seu ponto de referência desde que chegou a São Paulo. Atendendo a seu pedido, a reportagem não vai citar seu sobrenome, o nome do marido nem o de sua cidade.
Após ter recebido atendimento básico onde vivia, Andi foi para Damasco, a capital da Síria, para buscar um tratamento mais especializado.
O marido dela mostra, durante a conversa, uma foto em seu celular tirada no hospital de Damasco. Uma semana depois da agressão, o rosto da mulher ainda estava tão inchado e vermelho que ela parecia outra pessoa. Mal se viam os olhos, que Andi não conseguiu abrir por vários dias. Depois de alguns segundos, ela fez um gesto com a mão para que o marido virasse o celular para o outro lado.
Andi e o marido se conhecem desde pequenos, pois suas famílias eram vizinhas. Quando decidiu sair da Síria, o casal devolveu a casa alugada que ainda estava sendo mobiliada e foi para o Líbano. As mães de ambos ficaram no país.Chegada ao Brasil
Do Líbano, eles foram para a Turquia e tentaram chegar à Alemanha, onde moram os irmãos de Andi. Lá, ela poderia obter um bom tratamento médico, mas o casal não conseguiu visto.
Foi quando os dois ficaram sabendo da comunidade árabe que tem ajudado alguns refugiados sírios que chegam ao Brasil. "Disseram que Andi poderia ter um bom tratamento médico aqui", diz o marido.
Eles agora dividem um apartamento com mais duas famílias perto da Mesquita de Guarulhos. O marido procura emprego, e a mulher já foi levada à primeira consulta do pré-natal. No entanto, a síria ainda não foi a nenhum médico que pudesse tratá-la das queimaduras.
O comerciante libanês Hussein El Khatib, que está no Brasil há mais de 20 anos e participou da entrevista como tradutor, afirmou que alguém da comunidade deve levar a mulher até algum especialista, mas isso ainda não ocorreu porque há muitas pessoas aguardando para serem atendidas na mesquita.
Andi ainda sente dor por causa do ataque com ácido, e diz que a pomada que trouxe da Síria não está fazendo efeito no Brasil – segundo ela, isso ocorre por causa do clima quente daqui, que gera mais desconforto.
Vaidosa, ela conta que fica especialmente triste quando compara sua imagem atual com suas fotos antigas: "Quando meu marido está perto, eu choro por dentro. Quando ele não está, eu choro alto. Chorei tanto que acho que não tenho mais lágrimas".
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