Os locais têm esgoto à céu aberto, edificações precárias, infestação de ratos, cobras, escorpiões e até risco de explosão por contaminação de gás metano. O Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania investiga a ligação de facções criminosas com os loteamentos clandestinos.
POR PEDRO DURÁN (pedro.duran@cbn.com.br)
Tiros, fogo, fumaça e até mira a laser.
Tiros, fogo, fumaça e até mira a laser.
Foi essa a recepção preparada pelos traficantes no mês de dezembro, na Zona Norte de São Paulo, na área chamada de Córrego do Bispo, que já teve reintegração de posse concedida pela Justiça, mas as famílias ainda não foram tiradas do local.
Mas não é só nessa área invadida que o tráfico organizado exerce influência.
Como expansão das operações, os bandidos superaram as fronteiras do tráfico de drogas e passaram a investir na construção e venda de moradias, com maquinário pesado, demarcação de lotes, instalações elétricas e hidráulicas ilegais e construção de muros.
"De R$ 40 mil acima tem de qualquer preço. [a pessoa que quer comprar o terreno procura...] Eles mesmos, os caras da invasão que estão vendendo os terrenos. Eles que controlam tudo", diz.
Pedro Antonio dos Santos é presidente da Associação dos Moradores do Jardim Gaivotas, um bairro no extremo sul de São Paulo, às margens da represa Billings. Ele conta que os lotes custam em média de R$ 40 mil a R$ 50 mil. A reportagem da CBN apurou que os moradores costumam dar R$ 10 mil de entrada para os criminosos e dividir o resto. Lotes maiores, divididos por até quatro famílias e próximos à avenida custam mais, até R$ 100 mil.
Parte da área é da prefeitura e já tem cadastramento de moradores. Acontece que eles só podem derrubar as casas se tirarem as pessoas antes e a reintegração de posse, mesmo em terrenos da própria administração, precisa de autorização judicial - o que às vezes demora.
O esgoto fica a céu aberto. No local a CBN registrou máquinas como caminhão de transporte de materiais de construção e retroescavadeira em pleno funcionamento. Bem próximo da represa, três homens erguiam a terceira laje de uma casa.
O pedreiro José Nascimento ajudou a construir uma delas e agora conversa com os representantes do loteamento clandestino porque quer comprar um lote lá.
"Eu não sei quantos estão comandando não, sabe, porque tem as mulheres e os homens. [...] Na faixa de uns cinco ou mais, a base é essa. Já tem muitas, bastante mesmo [casas de alvenaria e tijolos], quase de uns cinco anos pra cá. E aí estão fazendo mais e estão reunindo e fazendo as vias, as ruas todas, 'ajeitando' pra por a água, energia...", conta.
Os moradores contaram que o tráfico até ergueu um muro ali, pra barrar a entrada de pessoas que não moram na área mais central da invasão.
A tática é a mesma de uma área invadida na Zona Norte, que até já foi alvo de operação policial no ano passado. É um terreno que pertence à Cohab, Coordenadoria de Habitação da Prefeitura. Foi um lixão, depois virou aterro e foi invadido e completamente loteado. Não há mais espaço pra uma família sequer. Com as máquinas pesadas, os criminosos escavaram a pilha de entulho, que ultrapassava um metro e meio e descobriram as calçadas que foram construídas décadas atrás, antes que a contaminação fosse descoberta.
Relatórios da Cetesb mostram que a área da chamada 'Vila Espanhola' tem contaminação de metais, solventes e metano, risco de explosão e deveria estar isolada. Não está. Ao contrário, tem diariamente o trabalho de pelo menos dez pedreiros e maquinário pesado, pra erguer casas de alvenaria. Também já há famílias morando no local, como a filha do jardineiro Júlio Tardoc, que colocou uma armadilha para ratos bem na entrada dos caminhões de construção.
Repórter: A gente está vendo caminhão aqui passando com...
Julio: Ferro pra construir. Vão construir.
Repórter: É quase uma empreiteira profissional, então?
Julio: É quase. Olha lá a gaiolinha...
Repórter: O que é isso?
Julio: Uma gaiolinha de pegar ratos. Sabe quantos ratos eu já peguei aí dentro de 60 dias? Dezessete ratos. Cinco desse tamanho e o resto tudo assim, olha... Achamos três escorpiões e acharam uma cobra aí.
Repórter: Quando isso?
Julio: Tem uns vinte dias.
Com os microfones desligados, os moradores revelam a presença eventual de homens armados e olheiros - que também foram vistos pela reportagem. Com histórico de desapropriação, eles contaram que o preço mínimo pra ter uma área ali é de R$ 4 mil. Ao lado deste local, na Zona Norte, há um ponto de venda de drogas.
Na área da Zona Norte, contaminada por metano, a prefeitura fez operações em julho e agosto e demoliu 70 casas, mas mesmo assim os bandidos reergueram tudo. Em dezembro a PM foi ao local, prendeu sete traficantes e apreendeu cinco mil porções de maconha, cocaína e crack.
De 2018 pra cá, a GCM já apreendeu 209 máquinas de construção dos loteamentos clandestinos e caminhões que também faziam descarte irregular de entulho.
A Polícia Militar e a Prefeitura de São Paulo informaram ainda que vão mobilizar equipes para fiscalizar e investigar as denúncias da CBN.
Nas duas áreas citadas pela reportagem, a PM já prendeu 615 suspeitos com 31 armas de fogo ilegais e 216 quilos de drogas.
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