Local do evento foi interditado pela prefeitura e segue sem alvará até hoje. Envolvidos e familiares não querem falar sobre a festa. Um ano depois, milícia domina totalmente o bairro.
Quase um ano depois da prisão de 159 pessoas em uma festa que seria da milícia de Santa Cruz, na Zona Oeste, no dia 7 de abril de 2018, o processo relativo ao caso está em seus momentos decisivos na Justiça. Hoje, com apenas 17 denunciados pelo Ministério Público, o processo está na fase das alegações finais e nenhum dos suspeitos está preso.
Fontes ouvidas pelo G1 estimam que menos de 5% dos que chegaram a ser detidos devem ser condenados por participarem efetivamente da milícia da região. Os líderes da milícia que a Polícia Civil buscava prender continuam soltos, e o domínio da quadrilha na região foi ampliado.
Procurados, pelo menos cinco dos que foram presos na festa não quiseram falar com o G1. Seus parentes também se disseram abalados, ainda mais levando a extensão do medo imposto pelas quadrilhas em seus territórios.
Segundo levantamento feito pelo G1 em 2018, o número de pessoas que mora em áreas dominadas ou sob influência da milícia chega a 2 milhões.
"Preferia não falar mais sobre isso, porque foi um trauma muito grande. Eu passei por tudo isso nesse tempo todinho", disse a mãe de um dos que chegaram a ser presos, mas foi absolvido durante o trâmite do processo. Ela não quis se identificar.
Números
Dos 159 detidos inicialmente, mais de 140 foram para a cadeia de Gericinó, em Bangu, também na Zona Oeste. No caminho para a Cidade da Polícia, no interior de um ônibus, um dos presos gritava: “Só melicia (sic), só melicia que foi apreendida".
Horas depois das prisões, a estação do BRT foi destruída, o que para o Ministério Público foi interpretado como o cumprimento de uma ordem para a ação - uma mensagem avisando que o "Cezarão vai descer" tinha sido postada em uma rede social.
Passados 18 dias desde o evento, o MP estadual anunciou, no dia 24 do mesmo mês, ter pedido à Justiça a revogação da prisão preventiva de 138 dos 159 presos.
Para o MP, não havia, até aquele momento, provas "efetivas" que permitissem o oferecimento de denúncia contra 138 pessoas. Por isso, o órgão defendeu a permanência na cadeia de 21 suspeitos e requereu a liberdade para 138 presos. Não havia como individualizar a conduta de todas essas pessoas.
Segundo um documento da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas, a maioria dos presos não tinha nenhum antecedente criminal ou conexões que as ligassem à milícia da região.
Suspeitos de integrar milícia foram levados de ônibus para a Cidade da Polícia na manhã do dia 7 de abril — Foto: Fernanda Rouvenat / G1
"Depois, analisando melhor, nós tiramos mais três, porque essas análises pediriam uma complementação que não veio. Sete nós pedimos a prisão imediata e mais 11 nós pedimos a manutenção da prisão. Agora, o processo está em alegações finais", explicou o promotor da Promotoria de Investigação Penal de Campo Grande, Luiz Antonio Ayres, um dos responsáveis pelo caso no Ministério Público.
Quando a denúncia foi enviada à Justiça, eram 18 os denunciados, que depois passaram a ser 17, com a individualização do processo de uma pessoa, até hoje não encontrada, pelo juiz da 2ª Vara Criminal.
Entre os denunciados, estavam seguranças da milícia, assaltantes e receptadores de veículos para o grupo, um matador, além de apoiadores e incentivadores.
Irmãos soltos após prisão em festa da milícia esperam por saída de primos do presídio em 2018 — Foto: Henrique Almeida/G1
A Justiça autorizou a soltura e, dois dias depois, no dia 26, parte dos detidos começou a deixar o presídio.
No dia 12 de fevereiro de 2019, em audiência na Central de Assessoramento Criminal (CAC), nove envolvidos que ainda estavam presos tiveram liberdade provisória concedida. Eles deixaram a cadeia no dia seguinte.
"A regra é a liberdade, tratando-se a prisão como medida excepcional lastreada e moldada na Lei de Meios Penais. Colhida a prova, finda a instrução, supor que possam os acusados deixarem o distrito da culpa, sem que isto tenha elementos concretos nos autos, parece exagero que não se coaduna com a regra geral de liberdade imposta pela Constituição da República", escreveu o juiz Juarez Costa de Andrade em sua decisão.
Como foi a operação
Na madrugada de sábado, 7 de abril de 2018, policiais da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense saíram de Belford Roxo, na Baixada, em direção à rua Fernanda, em Santa Cruz, na Zona Oeste, bairro onde está o coração da maior milícia do Estado.
Os agentes iam checar uma informação recebida por um informante da polícia: dois dos principais nomes da organização criminosa e vários milicianos estariam em uma festa no Sítio Três Irmãos, com shows de pagode e outras atrações, com ingresso cobrado a R$ 10.
A polícia procurava por dois líderes do grupo: Wellington da Silva Braga, o Ecko, chefe da milícia em Campo Grande, Santa Cruz e outros bairros da Zona Oeste; e Danilo Dias Lima, conhecido como "Tandera" ou "Danilo do Jesuítas", responsável pela quadrilha em Nova Iguaçu e Seropédica, uma franquia da milícia na Baixada Fluminense.
Segundo fontes que participaram da operação, tanto Ecko quanto Danilo estavam na festa: a operação só ocorreria se fosse confirmada a presença do primeiro, irmão do ex-líder da milícia, Carlinhos Três Pontes, morto após resistir em operação policial da Divisão de Homicídios em 2017. E assim ocorreu.
Ao chegarem ao local, quatro seguranças que estavam na frente da casa de festas teriam entrado em confronto com a polícia. Na troca de tiros, segundo agentes, os milicianos acabaram mortos. Três deles faziam parte da segurança pessoal de Danilo, de acordo com as investigações. Enquanto os tiros eram trocados de fora, Ecko e Danilo conseguiram deixar o local em segurança.
Embora oficialmente a Polícia Civil não fale sobre o assunto, fontes ouvidas negam qualquer vazamento do trabalho de investigação ou da própria operação ocorrida naquele dia. Ayres, promotor do Ministério Público, não considera que houve uma ação mal feita da parte da Polícia Civil no momento das prisões.
" A polícia entra, é recebida a tiros, sabe que é uma festa de milícia, com território hostil. Numa situação como essa, é muito difícil. Não é possível dizer que a polícia trabalhou mal, que foi um fracasso", avalia ele.
Bem-sucedida ou não, depois a operação, o poderio do grupo aumentou na região, e Ecko e Danilo continuam foragidos. A recompensa pela captura de Ecko é de R$ 10 mil, segundo o Disque-Denúncia. De acordo com informes recebidos pela polícia, Wellington circula entre comunidades dominadas pela milícia, amparado por um forte esquema de segurança.
Santa Cruz tomada pela milícia
Imagens em redes sociais mostraram milicianos em Santa Cruz em 2018; após investidas, quadrilha tomou área historicamente ligada ao tráfico de drogas — Foto: Reprodução WhatsApp
Na época da festa que terminou de forma abrupta, a organização que hoje tem como principal líder Wellington da Silva Braga, o Ecko, estava em quase todo o bairro de Santa Cruz, menos uma região: as comunidades do Rola e Antares, pontos estratégicos do Comando Vermelho na Zona Oeste.
Após as eleições, o que era um desejo antigo da quadrilha, desde 2013 com quartel general em Santa Cruz, se realizou: as duas comunidades, até então dominadas territorialmente pelo tráfico de drogas, foram tomadas pela milícia. Os novos comandantes, no entanto, permitiram que uma facção rival continuasse vendendo entorpecentes na região.
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