Menino morreu em 2014, aos 11 anos, após ingerir superdosagem do medicamento Midazolam. Ele afirmou que a criança foi morta pela madrasta, Graciele Ugulini, e a amiga dela Edelvânia Wirganovicz.
Acusado de matar o filho Bernardo Uglione Boldrini, então com 11 anos, o médico Leandro Boldrini foi interrogado por três horas e meia, na tarde desta quarta-feira (13), terceiro dia do julgamento popular do crime no Fórum de Três Passos, no Noroeste do Rio Grande do Sul. Ele negou as acusações, afirmando que a criança foi morta pela madrasta, Graciele Ugulini, e pela amiga dela Edelvânia Wirganovicz.
"Eu não mandei matar meu filho", disse o médico. "Extraiam todo o meu sangue, me decapitem, façam o que quiserem fazer comigo, senhores jurados, mas vocês estarão incorrendo em um erro gravíssimo. Espero, com todo o respeito, que os senhores e senhoras jurados analisem todo o contexto probatório e vocês vão ver: como um pai vai mandar matar o filho? Isso não existe", acrescentou.
Uma das testemunhas que prestou depoimento em defesa do réu e assistia ao júri foi às lágrimas ao ouvir o apelo de Leandro. Ela preferiu não falar à reportagem.
Bernardo foi morto em 2014, aos 11 anos, após ingerir uma superdosagem de Midazolam. O corpo foi encontrado 10 dias depois envolto em um saco plástico em uma cova em Frederico Westphalen.
Além dos três réus, Evandro Wirganovicz, irmão de Edelvânia, também responde pelo crime. Os demais acusados serão interrogados ao longo do julgamento, que teve início na última segunda-feira (11) em Três Passos.
A expectativa no salão do júri era grande para a chegada de Leandro Boldrini nesta quarta-feira. Jurados, comunidade e imprensa já estavam posicionados no aguardo do réu, o primeiro a ser interrogado no julgamento do caso Bernardo.
Leandro Boldrini começou a ser interrogado por volta das 15h de quarta-feira (13) em Três Passos — Foto: Joyce Heurich/G1
Por volta das 15h, Boldrini entrou com a cabeça erguida, porém olhando para baixo, e com os braços cruzados. Quando sentou, a juíza Sucilene Engler Werle informou o réu que ele tinha o direito de ficar em silêncio, mas alertou: "Os jurados poderão interpretar o silêncio como acharem conveniente."
"Faço questão de falar", respondeu Boldrini, aparentando segurança.
O réu responde por homicídio quadruplamente qualificado, ocultação de cadáver e falsidade ideológica, por ter noticiado falsamente o desaparecimento do filho à polícia, conforme o Ministério Público.
Antes de começar a questioná-lo, a juíza fez a leitura da denúncia e do aditamento. Ela perguntou se os fatos narrados na denúncia eram verdadeiros.
"Referente à minha pessoa, eles não são verdadeiros", disse, sem vacilar. Leandro vestia uma camiseta branca, calça jeans e nos pés levava meias e um par de alpargatas azuis.
Após as primeiras perguntas, ele virou-se em direção aos sete jurados, a pedido de seu advogado de defesa, posicionando-se de forma lateral à juíza e de costas para seus representantes. Ainda assim, não encarava por muito tempo o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, responsável por culpá-lo ou absolvê-lo. O olhar desviava.
Perante dezenas de pessoas, sem demonstrar alterações de voz ou humor, ele negou as acusações, disse que amava o filho, mas reconheceu que era um pai "mais provedor do que um pai presente", e que a relação entre Bernardo e sua mulher Graciele Ugulini era conturbada.
Relação familiar
Leandro Boldrini relatou que o relacionamento com Graciele, madrasta de Bernardo e também ré, começou em abril de 2010, logo após falecimento da esposa dele, Odilaine Uglione, mãe de Bernardo.
Segundo o réu, a madrasta foi bem recebida pelo filho. "A gente contratou uma espécie de uma psicopedagoga. Ela orientou o Bernardo durante esse período de 2010 a 2011", contou Boldrini.
“Era o filho mais velho, integrante da família, não era um estorvo, senhores jurados, não era um estorvo”, enfatizou o médico.
A relação do casal era de confiança, definiu. "Era uma relação de respeito e, assim, uma relação familiar de amizade de compreensão um com o outro, de confiança, isso que eu tenho pra lhe dizer", respondeu à promotoria.
Os atritos entre o filho e a madrasta teriam começado em 2013, conforme o réu, ano em que a filha do casal nasceu. "O irmãozinho mais velho talvez perdesse aquela exclusividade que ele tinha", afirmou Boldrini.
No depoimento, o médico acrescentou ainda que ele e o filho tinham um relacionamento "habitual" e justificou a ausência dele em ocasiões importantes apontada por testemunhas alegando muito trabalho.
"Sempre trabalhei muito. Claro que a gente tinha os momentos em que podia ter o lazer, mas o trabalho afetava", disse.
Sobre os relatos de que o Bernardo vivia na casa dos colegas e que não levava os amigos para a casa da família, Boldrini relatou que o filho, com 11 anos na época, já tinha autonomia para tomar decisões.
"Ele decidia a agenda dele. Praticamente, já vinha com a ideia montada", relatou. "Ele gostava muito de frequentar seus coleguinhas de escola", acrescentou.
Veja como foi o depoimento do réu Leandro Boldrini, pai de Bernardo, no julgamento
Consignação de perguntas
Embora tenha dito estar disposto a falar, o réu foi orientado por seus advogados a não responder às perguntas do promotor Ederson Vieira. A alegação fora de que houve desrespeito no questionamento. As perguntas, então, foram consignadas – feitas em sequência mesmo que não houvesse resposta.
Ao fim do interrogatório por parte da acusação, o promotor pediu para mostrar fotos do corpo de Bernardo ao pai no telão. O pedido, no entanto, foi negado pela juíza.
Um dos defensores de Leandro, em seguida, afirmou que o direito do réu de permanecer em silêncio havia sido ferido pela consignação, pois, na avaliação dele, o júri pode interpretar o silêncio do acusado ante às questões de várias formas. "Prejuízo do réu já está efetivado", acrescentou.
Segundo o advogado, a jurisprudência já anulou outros julgamentos por conta do mesmo fato.
Em caso de condenação do réu, a manifestação do advogado de defesa de Leandro durante o julgamento pode vir a ser usada em um futuro recurso, quando a defesa deve pedir a anulação do júri.
'Nunca fui desonesto'
Um dos advogados de Leandro perguntou a ele como era a relação com o pai, já falecido. O réu respondeu, ainda de costas para seus representantes:
"Meu pai nunca me pegou no colo, nunca me deu um beijo ou um abraço."
Depois, acrescentou: "Amava e amo ele (o pai) incondicionalmente."
Ele também falou sobre o fato do pai ter incentivado ele nos estudos, e também comentou a trajetória dele.
O advogado pediu ainda que Leandro falasse sobre o desejo que tinha de ser julgado em Três Passos, e não em Porto Alegre, como havia sido cogitado. "Pela minha honestidade, desde 2003 estou aqui, um longo tempo, e nunca fui desonesto com ninguém e com nada", justificou.
Leandro também foi questionado sobre o porquê da gravação do vídeo em que Bernardo aparece com um facão.
"A Graciele disse 'tem que gravar, tem que gravar'. Então, apertei o botão e gravei. Minha intenção era mostrar para o psiquiatra", respondeu.
Segundo Leandro, a relação entre Bernardo e a madrasta não era boa. "Eles não se dava bem, se odiavam."
Ao longo do depoimento, o réu também explicou o motivo pelo qual pai e filho teriam se desentendido na ocasião do vídeo. Leandro disse que a reação de Bernardo foi porque ele queria dormir na vizinha, mas ela não poderia recebê-lo naquela noite.
“Ele chega em casa e começa a atirar óculos no chão, controle, sacola”, contou, acrescentando que o comportamento do filho era "explosivo". “Ele queria um coisa, tinha que ser agora, explosivo, assim”, classificou Leandro.
Aos fatos
Interrogatório de Leandro Boldrini durou três horas e meia — Foto: Joyce Heurich/G1
O réu disse que tomou conhecimento na noite de sexta-feira, 4 de abril de 2014, sobre a ida do filho a Frederico Westphalen - cidade em que o corpo do menino foi encontrado enterrado em uma cova rasa - com Graciela durante a tarde. Desde essa data, o menino não foi mais visto. Graciele teria dito que levou o menino junto para não atrapalhar o sono da filha dela em casa.
Boldrini disse que não achou o convite estranho, apesar dos desentendimentos entre os dois.
"No almoço, percebi uma situação muito afetuosa, comemos um filé de peixe tilápia. Eu pensei: ‘estão se acertando’", relatou.
O almoço teria durado de 12 a 15 minutos, segundo o réu, que disse ter chegado por volta das 12h em casa naquela sexta-feira. Às 12h22, aproximadamente, o menino Bernardo é visto dentro de um carro com a madrasta, segundo a acusação.
Os promotores do Ministério Público questionam Boldrini sobre como ele não sabia que o filho havia saído com a madrasta se estava almoçando em casa poucos minutos antes. "Eu estava ‘cesteando’, doutor", alegou o réu.
No fim do dia, a madrasta teria relatado ao companheiro que Bernardo iria naquela noite para a casa de um amigo, onde dormiria e que, por isso, não se preocupou com o filho. No sábado, ele iria para a casa de outra pessoa.
"Não me preocupei, porque eles gostavam de brincar, computador, joguinho... Sabia que ele estava em um local tranquilo", afirmou.
O réu disse que havia combinado que o menino deveria estar de volta à residência até as 19h do domingo, o que não ocorreu. Foi quando ele teria começado a procurar o menino.
"Comecei a maratona de ligações e procura, liguei para os colegas", contou.
"Na segunda-feira, pensei que ele estava no colégio, pregando uma peça", disse, relatando que não chegou a ir até a escola Ipiranga procurar o menino.
Boldrini disse que, em nenhum momento, desconfiou da Kelly (apelido de Graciele), e que a cada dia ficava mais apreensivo no aguardo de uma notícia do filho. "Não tinha por que desconfiar", justificou.
"A delegada me disse: ‘Leandro, descartamos já a linha de sequestro porque ninguém pediu resgate, descartamos a linha de sumiço por conta própria. Então, a gente só tá trabalhando com a linha de assassinato’. Eu disse: ‘Barbaridade’", recordou o réu.
O médico contou que só ficou sabendo que o filho estava morto quando o algemaram na delegacia. Ao detalhar o recebimento da notícia no julgamento, o réu se levantou da cadeira, como se encenando o momento, e lembrou ter questionado a polícia se havia provas contra ele.
Durante o interrogatório, Leandro admitiu estar sob efeito de um remédio "estabilizador de humor". Ainda assim, demonstrava estar agitado em alguns momentos, passando as mãos nas pernas e ficando de pé em mais de uma situação.
Medicamentos
Perito mostra assinatura questionada, feita no receituário do medicamento Midazolam, encontrado em Bernardo — Foto: Reprodução/TJ-RS
Sobre os medicamentos que Bernardo tomava, o médico Leandro disse que chegou a carimbar receitas para o filho em algumas oportunidades, mas garantiu que em 2014, ano em que a criança morreu, Bernardo já não tomava mais nenhum remédio. Havia parado por orientação de uma dinda, após um período de férias na casa dela.
O réu foi enfático ao dizer que, no caso do Midazolam, remédio indutor de sono cuja superdosagem matou Bernardo, a receita não foi prescrita por ele, embora no papel conste assinatura e carimbo com o seu nome.
“Essa receita não é minha”, disparou Leandro.
Disse ainda que deixava o bloco de receitas em branco na recepção e o carimbo com a secretária do consultório dele, e que Graciele tinha acesso.
Sobre a falta de Midazolam injetável no consultório dele, apontada pela investigação, ele disse que não havia um controle rigoroso sobre o número ampolas, já que a quantidade é determinada pelo peso dos pacientes e, portanto, varia. Leandro relatou que fazia uso do remédio quando precisava realizar exames de colonoscopia.
“A maioria das ampolas eram repostas de acordo com o uso”, afirmou.
'Indícios fortíssimos de falsificação'
Perito contratado pela defesa de Leandro, presta depoimento — Foto: TJ RS/Divulgação
O terceiro dia do júri teve depoimentos de outras três testemunhas, todas indicadas pela defesa de Leandro Boldrini. Entre elas estava o perito criminal grafotécnico aposentado Luiz Gabriel Costa, que afirmou que a assinatura de Leandro Boldrini, pai da vítima, na receita de midazolam, medicamento que causou a morte devido à superdosagem, tem "indícios fortíssimos de falsificação".
O perito foi contratado pela defesa de Leandro Boldrini, que alega que não foi ele quem assinou a receita do medicamento, pois não teve envolvimento no crime. Por cerca de duas horas, ele apresentou indícios da falsificação.
"O dinamismo, a velocidade da assinatura questionada era inferior aos padrões. Em segundo, no centro da assinatura, tem uma interrupção anormal do movimento da escrita. Teve uma parada, uma retomada, outra parada e outra retomada. Quando isso não existe em padrões, mas em assinaturas, revelam indícios fortíssimos de falsificação gráfica", concluiu.
Outras testemunhas
Luiz Omar, testemunha de defesa de Leandro Boldrini, fala no julgamento — Foto: Gabriel Garcia/RBS TV
Mais cedo, outros dois depoimentos foram colhidos. O primeiro foi marcado por um desentendimento entre a testemunha, Luiz Omar Gomes Pinto, que trabalhou para Leandro Boldrini, e o advogado Jean Severo, representante da ré Edelvânia Wirganovicz.
A juíza Sucilene Engler Werle interferiu e pediu que advogado se acalmasse. A sessão chegou a ser suspensa novamente pouco tempo depois, porque algumas testemunhas relataram pressão alta.
Pinto havia pedido que Severo falasse mais baixo ao questioná-lo, e o advogado respondeu: "mas isso é um problema seu, eu falo alto. Tu não vai me dizer nada, o senhor é testemunha aqui."
Sucilene pediu que o advogado atendesse o pedido. Ele reagiu. "É o meu jeito de falar. Para mim eu nem precisava de microfone. Eu só estou fazendo uma pergunta", continuou o advogado. A testemunha respondeu à pergunta, negando saber sobre uma suposta traição de Graciele a Leandro, e finalizou: "só grita quem não tem argumento".
O advogado voltou a se exaltar: "Ou fala assim quem está mentindo, como tu". A juíza voltou a questionar o defensor, que reagiu: "ninguém vai me afrontar aqui.". A magistrada, então, suspendeu a sessão e chamou Severo para uma conversa reservada.
A outra testemunha a depor foi a professora Maria Lúcia Cremonesi, que lecionou para Leandro Boldrini e é amiga próxima da família dele. Ela relatou que Leandro e os irmãos não foram bem cuidados pelos pais. Disse que Leandro nunca foi pego no colo pelo pai, e que ele e os irmãos foram tratados de forma rude.
Depois da fala da professora, a defesa de Leandro informou que havia desistido de três testemunhas, dois irmãos dele e uma cunhada.
Leandro, Graciele, Edelvânia e Evandro respondem por homicídio com quatro qualificadoras (motivo torpe, fútil, com emprego de veneno e mediante dissimulação) e ocultação de cadáver. O pai de Bernardo ainda responde por falsidade ideológica.
O processo que apura a morte de Bernardo tem cerca de 9 mil páginas, distribuídas em 44 volumes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Muito obrigado pelo comentário, um grande abraço da equipe Braga Show!!!