Depois de apanhar durante várias horas seguidas numa noite que parecia não ter fim, a paisagista Elaine Peres Caparróz, de 55 anos, conta como conseguiu se salvar das mãos de um monstro e o que achou da transferência de seu agressor, do hospital psiquiátrico para a prisão
Há cinco anos estou solteira e feliz. Sempre fui uma mulher bem resolvida e fico bem sozinha. Gosto da minha companhia. Conheci o Vinicius quando ele me mandou uma solicitação de amizade no Instagram. Logo ele começou a puxar conversa comigo e eu dei papo. Não tínhamos nenhum amigo em comum, nem nas redes sociais nem na vida real.
Quando vi sua foto, achei ele muito parecido com o ator americano Ashton Kutcher. Até comentamos isso na ocasião. Ele me chamou atenção, claro. É um cara de 1, 90 metro, bem bonito. A princípio, achei que era um rapaz normal. Sempre me pareceu coerente e sensato nas conversas que tínhamos. Além do que era muito articulado. Outra coisa que notei era que ele escrevia muito corretamente, tinha um bom português. Então, de cara, apesar de achá-lo novo para algo mais sério, gostei dele. Não tinha a intenção de ser sua namorada, afinal ele só tem 27 anos e nunca curti caras tão mais jovens assim. Estava apenas me permitindo bater um papo gostoso pela internet.
Ficamos conversando por sete ou oito meses, não só nas redes sociais como pelo telefone. Nas mensagens, ele elogiava a minha beleza, me perguntou até se eu já havia sido modelo. Falava que eu não aparentava a idade que tinha, que eu era lindíssima e que queria muito me conhecer.
E, assim, começou uma paquera virtual. Sem compromisso, ele virou um possível ‘crush’. Tentávamos combinar de nos encontrar e nunca dava certo. Eu mesma marcava e desmarcava várias vezes... Não estava levando aquilo muito a sério.
Nesse dia que ele foi até a minha casa, me ligou por volta das 18 horas. Eu estava no mercado fazendo compras e falei que ele podia passar lá em casa para tomar um vinho, comer uns queijinhos. Acreditava ser mais seguro dessa forma. Minha ideia era, depois do encontro, sair para jantar ou dar uma volta pela Barra da Tijuca, onde moro.
Dez minutos antes de ele chegar na minha casa, tirei uma selfie e mandei para minha amiga Tatiane, que mora no meu condomínio. Contei que ia receber o Vinícius e perguntei se estava bem para recebê-lo. Mal sabia que viveria a pior noite da minha vida.
Quando ele chegou à minha casa, foi extremamente educado, carinhoso, simpático. Me tratou muitíssimo bem. A gente se beijou, ele me elogiou bastante e não parecia nem um pouco alterado. Eu já tinha aberto uma garrafa de vinho e tomado uma taça. Daí, completei meu copo e ofereci um para ele. Depois disso, não tenho lembrança de nada. Nem sei se transamos, mas acho que só rolou beijo mesmo. Não lembro nem de como eu saí da sala e fui parar no meu quarto.
Certamente ele colocou algo na minha bebida quando fui falar ao telefone com o meu filho. Porque a quantidade de vinho que bebi não era suficiente para mudar de dimensão, que é como me senti. Parece que eu havia entrado num sonho, saído da realidade...
Lembro de ele ter pedido para assistir um filme de terror na TV e só. Depois adormeci em seus braços, com ele me falando para gente dormir juntinho. Quando acordei, já estava no chão e sendo esmurrada no rosto. Me recordo que ainda me perguntei: ‘Meu Deus, mas o que está acontecendo?’.
Então comecei a gritar. Pedia para ele parar, perguntava por que estava fazendo aquilo, não via sentido em nada... Ele virou um monstro, vi o diabo ali em cima de mim! Me esmurrava forte, com sequências de socos absurdos. Ele só me mandava calar a boca, falava muitos palavrões e continuava me espancando sem parar.
Eu falava: ‘Sou uma pessoa boa, não te fiz nada! Por que você está fazendo isso comigo?’. Cheguei a perguntar se ele queria dinheiro, tentei negociar de todas as formas e ele me esmurrava com ainda mais força e ódio. Me mordeu como um cachorro, tirou pedaços de mim, me chutou inúmeras vezes, tentou me estrangular, tentou me dar um mata leão. Fez tudo o que podia para me machucar. Eu pensava: ‘Se ainda estou viva, preciso criar forças para acabar com isso’. Porque achava realmente que ia morrer logo, mas decidi lutar até o fim! Era só o que se passava pela minha cabeça.
Mesmo já sem forças, comecei a me defender de todas as maneiras possíveis. Arranquei um pedaço do cabelo dele na unha, enfiei a minha mão dentro de sua boca quando ele veio me morder. Ele arrancava pedaços do meu corpo com os dentes, depois cuspia com carne, sangue e pedaços de pele. Foram muitas horas apanhando, não sei como aguentei.
Depois de umas quatro horas apanhando, quando eu percebi que ele não ia mesmo mais parar, comecei a gritar desesperadamente por socorro na esperança de alguém me ouvir. Estou rouca até agora de tanto que gritei. Em seguida, desmaiei e não lembro mais de nada. Horas depois, acordei no hospital, sem saber onde estava.
O que eu soube depois foi que o segurança do condomínio passou para fazer a ronda de madrugada e escutou os meus gritos. Daí, bateu na porta e o Vinicius falou para ele arrombá-la, pois ia me matar. O segurança desceu para chamar a polícia e lembrou que a Tatiane, minha vizinha, era minha amiga. Ele interfonou para ela, disse que eu estava precisando muito de ajuda e pediu que fosse até o meu meu apartamento.
Nesse meio tempo, logo depois de o segurança bater na minha porta, o Vinícius saiu. Então, quando Tatiane chegou na minha casa, o agressor não estava mais lá, mas ainda se encontrava dentro do condomínio. Ele largou a porta aberta e me arrastava para tentar sair do apartamento e pedir socorro, fraca e toda ensanguentava. Nessa hora, deitei no chão e comecei a sufocar. A garganta parecia estar fechada.
Foi nesse momento que minha amiga me encontrou ali estirada no chão. Me recordo que ela que me levantou, viu que eu estava me sufocando, bateu nas minhas costas e eu comecei a vomitar jatos e jatos de sangue. Ela achou que eu tivesse morrendo mesmo. E, de fato, eu estava. Tatiane chorava muito, ficou em estado de choque por dias.
Passei três dias no CTI do hospital correndo risco de vida. Perdi tanto sangue que fiquei com níveis seríssimos de anemia. Fora isso, tive a pleura perfurada, insuficiência renal e precisei receber sangue. Os médicos disseram que sobrevivi por um milagre.
Meu único filho, Rayron, quando me viu só conseguia me abraçar e chorar. Ele só tem 17 anos e mora nos Estados Unidos. Minha família também veio toda de São Paulo para me dar apoio. Quem me visitava não tinha como não se chocar com minha imagem desfigurada. Só estava enxergando um pouquinho do olho direito e via todo mundo chorando. Pensava: ‘A minha situação não deve ser nada boa’.
Acho que só não morri porque sou uma mulher forte. Malho todos os dias, tenho 1 metro e 73 de altura e bastante resistência física. Faço musculação, corro na praia, então tenho muito fôlego e força. Mas, se fosse uma outra, com certeza não teria sobrevivido. E mais: não acho que ele teve um surto, como está alegando para a justiça. Ele sabia muito bem o que ele estava fazendo.
Assim que saí do hospital, onde passei quase uma semana internada me recuperando, voltei ao meu apartamento. A sensação foi horrível, indescritível. Mesmo depois de limpo, ainda dá para ver as marcas de sangue espalhadas pelo chão e pelas paredes. Parece um cenário de guerra mesmo, precisa pintar tudo. Não tenho condições psicológicas de continuar morando lá. Sinto como se tivesse ficado uma energia muito ruim naquele lugar. Me dá até arrepios entrar lá.
Ainda estou muito debilitada. Meu rosto está desfigurado. Quando me olho no espelho, me assusto. Não me reconheço. Meu dente está todo quebrado. Meus ouvidos doem, meu nariz foi fraturado, tive descolamento de retina, minha boca está toda cortada, tomei vários pontos na boca e na gengiva. Sinto dores fortíssimas na cabeça, nos olhos, nos braços, na pleura que foi perfurada e me deixou com dificuldades respiratórias... Estou a base de remédios, não há parte em mim que não doa.
Além disso, estou com síndrome do pânico. Sonho com aquele monstro em cima de mim socando o meu rosto e acordo gritando. Na rua, sempre acho que tem alguém me perseguindo, querendo me fazer mal ou me matar. Vai levar um tempo, eu sei, para que eu me recupere e volte a ser quem era antes.
Meu alerta para as mulheres é que redobrem os cuidados, antes de se encontrar ou conhecer uma nova pessoa. Evite se encontrar a sós, sempre procure levar alguém junto, é o mais prudente a fazer. E para as que já se relacionam há tempos com homens agressivos pulem fora enquanto é tempo! Sejam fortes, meninas, e busquem sempre ajuda! Não tenham medo ou vergonha de se expor! Eu mesma não me sinto humilhada, mesmo depois de tudo o que se passou comigo. Agora o que mais quero é alertar outras mulheres. Precisamos nos unir e uma ajudar umas às outras.
Gostaria de lutar por leis mais rígidas e severas para os casos de feminicídio. Essa agora será a minha missão, a minha luta e o meu propósito de vida. Ajudar outras mulheres a sair dessa ou a detectar esses ‘boys lixos’, esses homens violentos e que não prestam.
Claro que estou feliz de ele ter sido transferido para a prisão. Conforme eu havia observado, os especialistas concluíram que ele não tem problema mental algum, como alegou sua defesa. Tem uma vida social normal, faz faculdade... Não entendo onde poderia ter um problema. Ele fez mesmo por maldade.
Espero só que o meu caso sirva de exemplo para muitas outras mulheres e que meu agressor pague por tudo que fez comigo. Mas não desejo nenhum tipo de mal para ele. Não quero que ele mofe na cadeia, quero só que a justiça seja feita. Tenho outras escolhas a fazer na minha vida. Uma delas é ser feliz. E é urgente e pra já!”
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