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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Eu, Leitora: "Usei um decote na posse como deputada e me senti violentada com os comentários machistas"

Ana Paula da Silva, mais conhecida como Paulinha, foi eleita deputada estadual e escolheu um look mais decotado para usar na cerimônia de posse na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, mas foi duramente criticada nas redes sociais. Entre os comentários, homens e mulheres acusaram a parlamentar de falta de decoro por usar um macacão vermelho 'ousado demais para os padrões' de um ambiente majoritariamente masculino. Ela já processou mais de 100 pessoas por injúria


Desde menina eu sempre tive envolvimento com a política e nunca me senti intimidada por ambientes majoritariamente masculinos. Já era da minha rotina há muito tempo: fui prefeita da cidade de Bombinhas por seis anos, além de vereadora, e o dia da posse na Alesc [Assembleia Legislativa de Santa Catarina] foi uma solenidade agradável. Digo de coração. Não senti qualquer tipo de olhar indesejado e foi muito tranquilo. Eu estava radiante e feliz. Era o momento da consagração de um trabalho. A minha eleição foi menosprezada aqui em Santa Catarina por vir de uma cidade pequena, mas foi a quinta maior do estado e com poucos recursos.

Quando voltei daquele evento, tive algumas reuniões, fiquei envolvida com o trabalho, fui responder as minhas redes sociais e não entendi o que estava acontecendo. Era um enxame de agressões que eu jamais esperava, com repercussão nacional. Comecei a apagar alguns comentários mais ácidos, o que nunca tinha feito na vida. A vida pública me tornou uma pessoa mais resiliente às críticas e sempre tive muita elegância para tratar as diferenças. Passei horas lendo e apagando as mensagens e não tinha um músculo do meu corpo que não estivesse doendo, todos retorcidos pela tensão. Fiquei bem assustada. Jamais escolheria uma roupa para provocar os outros. Larguei o telefone, fui tomar uma água, cochilei um pouco. Pela manhã, fui saber o que minhas filhas tinham visto e comecei a ler as mensagens positivas. Consegui me colocar em pé novamente.

Me senti violentada porque li nas redes sociais pessoas escrevendo que eu não poderia reclamar se fosse estuprada. Os comentários das mulheres foram os que me deixaram mais triste e me deram mais nojo: eram cruéis. Uma delas disse:
- Você deveria ser proibida de mencionar o nome de Deus porque uma pessoa como você Ele não abençoa.
Quando a agressão parte do homem é mais intimidadora. Ele tem a figura psicológica de ser mais forte. De segunda-feira para frente, não voltei mais às minhas redes sociais para recobrar a minha sanidade a fim de me afastar desta violência. Este momento nos trouxe muitas reflexões.
As mulheres sempre se vestem conforme seu estado de espírito. Tem dias que eu saio de casa vestindo um pijama e outros são uma roupa mais justa e sensual, que é mais o meu estilo. Tenho 1,57m, sou miudinha, gosto de fazer academia, sou vaidosa e me vesti assim a vida inteira. Em todos os anos que fui prefeita, sempre me vesti da mesma forma. Na minha diplomação como deputada, usei um top cropped branco que era mais decotado do que o macacão vermelho. As pessoas do meu ambiente político já estão acostumados com minha forma de portar. Gosto de me vestir dessa forma, mas não sou uma mulher exagerada. Esse episódio me despertou um sentimento diferente, um novo olhar para a nossa sociedade. Muitas mulheres pararam para analisar isso. A gente passa uma vida tendo de se vestir de um jeito diferente do usual e vira um autoflagelo. Isso não está certo.
Paulinha na diplomação na Alesc (Foto: Reprodução/Instagram)
Há 8 anos eu era uma mulher mais ‘aceitável’ para os padrões deste mundo. Quando me dei conta que era uma pessoa triste, me enxerguei uma mulher empoderada e forte. Não me permiti mais que alguém me dissesse como eu iria me comportar, como me vestiria, o que eu ia dizer. Tive a oportunidade de ser eu mesma, plena e feliz, com a minha autoestima preservada, dentro das minhas escolhas. Faz toda a diferença ser feliz sendo você mesma.
Num primeiro momento fiquei muito assustada com o que aconteceu porque as pessoas sempre foram muito tolerantes comigo. Isso nunca foi posto na minha vida de forma agressiva. Eu estava numa assembleia com recorde de mulheres eleitas, éramos em 5 entre 40, e realmente acredito que se 10 mulheres tivessem sido eleitas, teríamos mais decotes. Uma das minhas amigas dali me confessou que era como eu, mas mudou por medo de ser julgada.
Machismo e objetificação da mulher
Se houvesse uma consulta com mais de 90% das pessoas que me ofenderam no Instagram, elas diriam que não são machistas porque é politicamente incorreto, inclusive as mulheres. Sempre pensam que alguém mais bonita não tem capacidade intelectual e este é um rótulo que as pessoas passam adiante. Em casa, a sociedade educa as meninas de forma diferente: ‘não pode sentar de perna aberta’, ‘volte mais cedo para casa’ e os meninos podem fazer tudo. Aliás, alguns deles também são vítimas do machismo. Isso não é nada saudável e a gente patrocina este absurdo.
Mulheres empoderadas não permitem se impactar com o machismo. Quando existe algum ambiente com ‘gracinhas’, eu tiro de letra. Se queremos acabar com o machismo, temos de sensibilizar a todos para educar os filhos de forma diferente. O processo de formação da sociedade dentro do lar tem de ser mais respeitoso com a mulher.
Tenho uma filha de 18 e outra de 20 anos e alimento esperanças nas gerações delas. Parece que as pessoas de agora não têm mais cura. Não dá para tolerar essa agressividade. Achar que minha roupa foi inapropriada é uma opinião, mas o que não posso tolerar é essa agressividade e essa terra sem lei que a internet virou, com pessoas que não me conhecem me agredindo. Eu tenho filhas e mãe. Como alguém pode me chamar de dona de cabaré ou prostituta – nada contra elas, que isso fique bem claro – por causa de uma roupa? É algo inaceitável.
Várias pessoas vieram fazer consultas formais à Assembleia para saber se eu tinha quebrado o decoro parlamentar. No regimento diz que o traje é passeio completo e minha roupa estava completamente apropriada para o evento. Alguns alegaram que era um ambiente cheio de homens, mas isso se deve ao baixo número de mulheres eleitas. Eu acho que fico mais claro o retrocesso que ainda vivemos em relação à presença da mulher.
Essa questão, que foi muito exposta entre minhas amigas, foi bom para abrir uma discussão sobre essas situações contra o nosso guarda-roupa. Todas lembraram de ter sido criticadas ou julgadas pela forma de vestirem. Algumas contaram que já voltaram para casa para trocar de roupa porque já sofreram assédio.
Deputada Paulinha já se envolveu em políticas a favor das mulheres (Foto: Reprodução/Instagram)
Projetos a favor das mulheres
Santa Catarina é o quarto estado com o maior número de mulheres de vítimas de agressão e este é um número muito significativo. Temos um fórum com diversas mulheres que discutem as políticas para elas e este sentimento nos uniu para debater sobre nossas vidas dentro deste contexto. Foi importante no sentido de provocar este sentimento nas mulheres. Este basta ao machismo precisa começar conosco.
Não tenho problema de participar de debates com opiniões ideológicas contrárias às minhas e, em nome da liberdade que construí, me sinto no dever de provocar essa discussão. Isso faz diferença. Tudo mudou na minha vida depois de reconhecer o que eu gostava. Sabe o que é achar uma roupa bonita, gostar dela e não poder comprar porque o marido não vai gostar? Essa tirania velada que patrocinamos na sociedade precisa ser descortinada. O mais interessante deste episódio foi poder olhar para a nossa história e ver o quanto deixamos de assumir nossa personalidade para nos submeter a um padrão de conduta social. É uma bobagem.
Sou divorciada do meu ex-marido há 7 anos e vivo com minhas filhas como três irmãs. Temos um lar muito harmonioso, as meninas me ajudaram a escolher a roupa e somos mais amigas do que mãe e filha nestes momentos. A mais nova, que é adventista, estava em casa na noite anterior à posse e fez uma festa com as amigas. Era uma confraternização e todas estavam muito empolgadas. Escolhemos o look todas juntas. Interagimos e todas me acharam linda. No meu ambiente ninguém estranhou e me peguei diversas vezes olhando a foto e pensando ‘o que tem de errado com minha roupa?’ No dia seguinte, minhas filhas foram me abraçar e me apoiar. Eu tinha medo que meu namorado tivesse alguma reação contrária, mas ele disse que eu estava linda e me apoiou. Ninguém estranhou.
Sempre fui uma pessoa de vida muito simples e não costumo comprar roupas caras todos os dias. Esta foi comprada na Animale especialmente para este evento. Eu não compro uma roupa de R$ 900 todos os dias. Experimentei inúmeros figurinos e todas as vendedoras estavam animadas porque eu queria escolher a mais bonita. Não fiz nada de diferente do que qualquer mulher faz em um dia muito importante em sua vida.
No fundo confesso que até hoje não entendo o que tinha errado com minha roupa. Foi um processo de escolha igual a qualquer mulher. Não esperem que eu vá interpretar um papel agora que sou deputada.
A pergunta mais difícil que já me fiz foi: ‘se eu imaginasse essa repercussão, teria escolhido este mesmo look para a posse?’ Metade de mim é a Paulinha que não quer se sentir exposta desta forma, mas a outra metade é a Paulinha que se descobriu, há 7 anos, uma mulher empoderada, dona de si. Ela não pode se deixar calar. Por isso que a gente tem de bater o pé, satisfazer os nossos gostos, independente da opinião dos outros.
Todos estão sendo processados
Tudo aquilo que ficou no ambiente da opinião ou da crítica, ainda que no limite, eu respeito. Mas todos aqueles que ultrapassaram a linha da opinião e entraram na calúnia, injúria e violência, estão sendo processados um a um. Fizemos uma denúncia na DEIC [Departamento Estadual de Investigações Criminais], na parte especializada em crimes cibernéticos, e eles farão um processo de notificação a cada uma dessas pessoas. Muitos deles são de outros estados.
Este é um objetivo pedagógico. Não tenho rancores. Essa pessoa que me chamou de algo que não sou precisa receber uma notificação em casa para não fazer isso com outra mulher. Ninguém pode sair xingando e ofendendo. Muitas dessas pessoas que se acharam corajosas para me agredir, não fariam o mesmo pessoalmente. Fiz questão de seguir com este processo porque a violência não pode ser tolerada em hipótese alguma. São mais de 100 pessoas denunciadas, para a minha tristeza. Isso porque muitas mensagens foram apagadas. Isso tem de ser feito."
Deputada Paulinha é muito ativa nas redes sociais (Foto: Reprodução/Instagram)
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