"Ele veio com um chicote de fio de luz. Eu estava ao lado do meu filho, e ele me chicoteou. Eu dizia: 'Para, pelo amor de Deus'. E ele respondeu: 'Pelo amor de Deus é o c*'". Foi nesse momento que Maria*, de 28 anos, decidiu dar um basta no relacionamento abusivo em que estava presa fazia dez anos. A agressão ocorreu no último dia 2 e foi registrada na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) em Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio. A Polícia Civil representou pela prisão do marido dela, que fugiu, e um mandado foi emitido pelo poder judiciário. Agora os investigadores realizam diligências para localizá-lo. A vítima, enquanto isso, faz tratamento psicológico e psiquiátrico para se afastar do trauma.
Segundo um agente da Deam envolvido na investigação, Maria, mãe de um bebê de 8 meses, passou por exames de corpo de delito após registrar ocorrência e voltou à delegacia no último dia 5 para prestar depoimento.
— Agora vou sumir de Angra com meu filho, vou ter que ficar longe dos meus parentes. Hoje eu não tenho emprego, onde morar, tenho que começar do zero, mas vou ser mais feliz começando do zero do que se continuasse com meu casamento, achando que ele ia melhorar. Sei que Deus não vai deixar faltar nada na minha vida — afirmou a vítima.
Como forma de ajudar outras mulheres a perceberem que estão em relacionamentos abusivos e a saírem desse ciclo de violência doméstica, Maria relatou sua história. Confira:
Ele foi o meu primeiro namorado. No primeiro ano de casado já era agressivo, mas eu achava que ele perdia a cabeça porque trabalhava embarcado. Nunca imaginei passar por isso. Quando ele me traiu, pensei que ia me deixar em paz, mas ia atrás de mim. Ele prometia mil coisas e voltei pra ele. Pensei que ele ia mudar. As pessoas não entendiam, porque ele é um amor de pessoa na rua, é trabalhador, todo mundo sabe. Mas as pessoas não sabiam o que ocorria entre quatro paredes.
Depois que passou a melhor fase, começaram as ameaças de morte. Ele dizia: "Da outra vez que você saiu de casa, fui atrás de voce, mas se fizer de novo, vou te matar. Está achando que vai se separar e ver seu filho? Você nunca mais verá ele".
Isso acaba com a cabeça da gente. Ninguém sai batendo do nada. Sabe aquela pessoa que arruma motivo pra te bater? Ele dizia os motivos: "Você tá levando tapa por isso, por aquilo". Ele precisava mostrar que era o macho alfa, controlando o que eu ia vestir, com quem ia me encontrar. Se eu encontrasse alguém e não contasse, era como uma traição. Eu não tinha contato com homem nenhum. Parecia que ele tinha ciúme até do meu filho.
Quando engravidei, pensei que com o filho seria diferente, que quando ele fosse pai iria mudar, mas piorou. A primeira agressão depois da gravidez foi quando eu estava de resguarda. Ele me jogou no chão, me chutou e me bateu. Meu olho ficou roxo. Tenho testemunhas disso. Na segunda vez, eu estava com o bebê no colo, ele me empurrou e quase que a cabeça do bebê bate na parede. Falei: "Não faça isso!", mas ele não ligou.
Na terceira vez, ele veio com um chicote de fio de luz. Eu estava ao lado do meu filho, e ele me chicoteou. Eu dizia: "Para, pelo amor de Deus". E ele respondeu: "Pelo amor de Deus é o c*.Você tem que apanhar. Quando coloquei o pé pra fora de casa liguei pra miha mãe pedindo socorro. Eu não conseguia nem pegar meu filho no colo de tão machucada que eu estava. Fui na delegacia direto, mas ele fugiu. Tive que esperar a medida protetiva, e depois saiu o mandado de prisão. Os policiais me ouviram com paciência. Eles agilizaram o mandado de prisão, me ajudaram.
Vi que estava em um relacionamento abusivo. Eu estava fazendo faculdade de Administração e tive que trancar. Eu tinha vários projetos na minha vida, fazia trabalhos na igreja, recitais. E virei meio que uma faxineira. Ele nunca me deixou trabalhar fora, o único que tive foi junto com ele. Aí podem falar: "Ah por que não saiu antes?". Ele dizia que ia me matar, matar minha família. Eu pensava: "Se eu acabar com o ciclo, ele vai acabar me matando".
Percebi que estava num relacionamento abusivo agora há pouco quando estava grávida. Meu filho vai fazer 9 meses. Vi que meu marido não estava melhorando. Vi vídeos de mulheres do mundo inteiro contando no Youtube seus relatos de relacionamentos abusivos e como elas conseguiram superar. Ouvir aquilo mexeu comigo. Eu quero viver.
Se puder divulgar minha história, espero que as mulheres que passam por situações piores entendam. Não tenho vergonha de falar, porque as mulheres precisam saber disso. Meu conselho é: "Pega o que você puder e some, nem que precise sair da cidade, peça ajuda à polícia".
É meu filho que ajuda a manter meu equilíbrio psicológico, como se eu fosse uma leoa protegendo a minha cria. Várias vezes eu brigava porque ele não ligava pra criança, e se ele machucasse meu filho, eu não sei o que faria.
Hoje eu sei que preciso de tratamento. Não basta tratar apenas do corpo, é preciso tratar da mente, porque se não, quando ele voltar atrás de você, você acaba cedendo. A psicóloga me encaminhou para um psiquiatra. Não conseguia comer, dormir, passava mal, tremia e ficava numa paranoia, com medo de ele me achar que onde quer eu estivesse.
Agora vou sumir de Angra com meu filho, vou ter que ficar longe dos meus parentes. Hoje eu não tenho emprego, onde morar, tenho que começar do zero, mas vou ser mais feliz começando do zero do que se continuasse com meu casamento, achando que ele ia melhorar. Sei que Deus não vai deixar faltar nada na minha vida.
O Disque Denúncia divulgou informações sobre o marido da vítima. Quem tiver informações sobre a localização de Uelinton Oliveira pode entrar em contato com o Disque Denúncia, através do telefone 0300 253 1177 (custo de ligação local) ou ainda pelo aplicativo para celulares “Disque Denúncia RJ”.
*O nome é fictício para preservar a identidade da personagem.
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