G1 acompanhou venezuelanos no trajeto de 215 km entre Pacaraima, na fronteira, e Boa Vista. Sem dinheiro e perspectivas, imigrantes fogem da crise na Venezuela e dependem da solidariedade para enfrentar percurso: 'Caminhando sem comer'.
o fim de dez horas de espera por uma carona que não chega e sem comer direito há quatro dias, as irmãs Cora Freites, de 58 anos, Carmen Freites, 51, e Elia Tarazona, 43, decidem, às 8h do dia 21 de fevereiro, descer a pé a serra de Pacaraima, que dá nome ao primeiro município brasileiro na fronteira com a Venezuela. De lá até Boa Vista –destino final da viagem– são 215 quilômetros na BR-174, uma rodovia isolada no meio da selva amazônica, estreita, cheia de curvas sinuosas e buracos mal tapados. "De manhã, nos deram pães, mas refeições não fazemos desde sexta [16]", diz Carmen.
Essa espécie de "rota da fome" recebe todos os dias uma média de 50 novos viajantes, segundo a prefeitura de Pacaraima. Nos dias 20 e 21 de fevereiro, o G1 fez o mesmo caminho seguido pelos imigrantes, percorrendo a pé e de carona o trajeto entre a fronteira e a capital de Roraima e acompanhando os viajantes.
“Minha amiga que já está no Brasil disse que aqui há comida e trabalho”, diz Carmen, enquanto caminha pela rodovia. Onde morava, em El Tigre, no leste da Venezuela, deixou a filha, uma estudante de engenharia de 19 anos, e o marido, agricultor. “Se puder, vou trazê-los para cá."
A venezuelana e as irmãs percorreram 800 quilômetros de onde viviam até Santa Elena de Uairén, na fronteira com o Brasil. Não tinham dinheiro para comer e tampouco para comprar passagens. Viajaram de barrigas vazias e pedindo carona por três dias.
“Em Pacaraima, dormimos duas noites no chão da rodoviária. Lá tinham muitas pessoas e fazia frio”, descreve Carmen.
No país natal, as três viram de perto a grave crise política e econômica que assola o país e deteriora a qualidade de vida dos venezuelanos. A superinflação na Venezuela, que já é a maior do mundo, deve atingir os 13.000% neste ano, segundo o Fundo Monetário Internacional, aumentando ainda mais a pobreza e sua incidência em emprego, educação, criminalidade, nutrição e saúde em geral.
Fugindo de tudo isso, as irmãs seguem rumo a um futuro ainda incerto em Boa Vista, como tantos outros têm feito desde o final de 2015, quando começou a imigração para Roraima, o estado menos populoso do país.
A capital hoje tem 40 mil venezuelanos, segundo os cálculos da prefeitura, o equivalente a 12% dos 330 mil habitantes locais. A sensação é que a cidade está cheia de imigrantes. Afinal, eles e sua língua são visíveis e audíveis para onde se vai. As escolas recebem um número cada vez maior de venezuelanos, os hospitais também.
Estado e município decretaram emergência, e o governo federal planeja levá-los a outras partes do país, numa tentativa de lidar com a imigração que cresce a olhos vistos e que em números já supera a haitiana. Em três anos foram quase 20 mil pedidos de refúgio de venezuelanos em Roraima contra 18 mil de haitianos entre 2011 e 2013.
Carmen, Elia e Cora, assim como tanto outros imigrantes, não têm dinheiro algum para chegar a Boa Vista - as passagens custam de R$ 30 a R$ 50 - e viajam da forma que podem. Em alguns trechos vão a pé e em outros conseguem carona para algum outro ponto mais à frente.
Caminho desconhecido
A maioria nem imagina o quão longe está da capital. Se têm sorte e obtêm ajuda pelo caminho, levam até dois dias e uma noite para chegar a capital. Se não, caminham por até quatro ou cinco dias num itinerário marcado pela falta de comida, sede e cansaço.
"Se são cinco dias caminhando de dia e de noite, são 10 dias caminhando somente de dia", estima Anaecí Rodriguez, de 36 anos. Antes de chegar ao Brasil, ela não fazia ideia do que teria de andar. "Nos disseram que é melhor aqui. Viemos provar para ver. O mal é que temos que ir a pé".
À medida que agrava a situação política da Venezuela, os imigrantes que estão vindo para o Brasil pela fronteira de Roraima são mais pobres. É o que afirma José Carlos Franco, antropólogo e professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR).
“Os venezuelanos também vão à Colômbia, Peru, Equador, Chile Argentina e Uruguai. O contingente que a gente mais recebeu no Brasil foram primeiro os da classe média e depois os das classes mais populares. Com a tendência a aumentar a imigração e com a perda do poder aquisitivo na Venezuela, eles começam a chegar como podem até Boa Vista onde já têm amigos, parentes, ou alguma perspectiva de trabalho. Ir a pé é um caminho viável do ponto de vista físico, mas muito duro. É uma provação”, define o professor José Franco.
O percurso começa no município de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, no extremo Norte do Brasil. Lá, a Polícia Federal fez entre 1º de janeiro e 15 de fevereiro mais de 400 atendimentos diários a imigrantes. Nas filas, eles relatam histórias sobre o desabastecimento, o aumento constante nos preços dos alimentos e a desvalorização crescente do bolívar.
"Em um dia podíamos comer uma vez. O salário não alcançava. Aqui queremos trabalhar para levar comida à nossa família", explica Carmen Freites que na Venezuela era manicure.
Há muitos homens pela estrada. Eles contam que deixaram para trás filhos, mulheres e os pais para buscar meios de sobrevivência no Brasil. Querem trabalho para ganhar dinheiro e garantir o sustento de si e dos parentes na Venezuela. Esse perfil é o da maioria dos imigrantes que procuram a Polícia Federal para se regularizar. São homens (58,28%) com uma idade média de 25 anos.
"Se não há carona vou a pé", afirma Erasmo Guanaguanin, de 24 anos, que descansava às margens da BR-174 depois de caminhar por sete horas num percurso de 17 quilômetros. Na Venezuela, deixou o filho e a mulher.
A imigração, no entanto, também traz consigo uma parcela de gente mais frágil. Na rodovia, se encontram mulheres beirando a terceira idade, crianças, adolescentes e até grávidas. Também há relatos de que deficientes físicos e doentes têm feito o percurso.
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